domingo, 30 de janeiro de 2011

Desalento

Imagem: internet
Mais Florbela...

Às vezes oiço rir, e 'ma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa.
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n'alma o fogo que m'abrasa"

Tenho sede d'amar a humanidade...
Eu ando embriagada... entontecida...
O roxo de meus lábios é saudade
Duns beijos que me deram noutra vida!

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
De só saber chorar, de ser assim...

Gosto da noite, negra, trsite, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que sinto sempre a voltejar em mim!

Florbela Espanca.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Doce Milagre

Imagem: internet
Ok eu confesso... Florbela é minha poetisa preferida!  Não me canso de seus versos... Espero que gostem...

O dia chora. Agonizo
Com ele meu doce amor.
Nem a sombra dum sorriso,
A dar-lhe vida e frescor!

A triste bruma, pesada,
Parece, detrás da serra,
Fina renda, esfarrapada,
De Malines, desdobrada
Em mil voltas pela terra!

As avezitas, coitadas,
'Squeceram hoje o cantar.
As flores pendem, fanadas
Nas finas hastes, cansadas
De tanto e tanto chorar...

O dia parece um réu.
Bate a chuva nas vidraças.
É tudo um imenso véu.
Nem a terra nem o céu
Se distingue. Mas tu passas...

...E o sol doirado aparece.
O dia é uma gargalhada.
A natureza endoidece
A cantar. tudo enternece
A minh'alma angustiada!

Rasgam-se todos os véus.
As flores abrem, sorrindo.
pois se eu vejo os olhos teus
A fitarem-se nos meus,
Não há tudo ser lindo?!

Se eles são prodigiosos
Esses teus olhos suaves!
Basta fitá-los, mimosos,
Em dias assim chuvosos,
para ouvir cantar as aves!

A Natureza, zangada,
Não quer os dias risonhos?...
Tu passas... e uma alvorada,
Enche-me o peito de sonhos!

Florbela Espanca