sexta-feira, 29 de junho de 2012



"Na hora em que a terra dorme

enrolada em frios véus,

eu ouço uma reza enorme

 enchendo o abismo dos céus"
Castro Alves
 
(Sarau Poético de 29/06/2012)


Amar e ser amado! Com que anelo

Com quanto ardor este adorado sonho

Acalentei em meu delírio ardente



Por essas doces noites de desvelo!

Ser amado por ti, o teu alento

A bafejar-me a abrasadora frente!



Em teus olhos mirar meu pensamento,

Sentir em mim tu’alma, ter só vida

P’ra tão puro e celeste sentimento



Ver nossas vidas quais dois mansos rios,

Juntos, juntos perderem-se no oceano

Beijar teus dedos em delírio insano



Nossas almas unidas, nosso alento,

Confundido também, amante amado

Como um anjo feliz... que pensamento!?
 
Castro Alves
 
(Sarau Poético de 29/06/2012, poema postado por Marcia R Abreu)


Ela tem uma graça de pantera

No andar bem-comportado de menina.

No molejo em que vem sempre se espera

Que de repente ela lhe salte em cima


A mim me enerva o ardor com que ela vibra


E que a motiva desde de manhã.

-Como é que pode, digo-me com espanto...

Castro Alves.
 
(Sarau Poético de 29/06/2012, poema postado por Melissa Meneses)


INGRATA! E fazes milagres

E não crês em ti sequer.

Vê, teu riso quebra as lousas,

Eu sou Lázaro, mulher.



Tu me perguntas, formosa,

Se a alma tem outra flor...

Se revive murcha a rosa...

Se renasce morto o amor...



Ingrata! pois tu duvidas?

Do influxo do teu poder!...

Minh'alma é planta aquecida

Nos teus sorrisos, mulher.



Ingrata! Tu que dás vida

Não vês sequer teu poder!...

Olha-me! Eu vivo, querida!...

Eu sou Lázaro, mulher!



Eu era a triste crisálida,

Tu foste a luz do arrebol!...

Minh'alma desperta válida

Aos raios da luz do sol!...



Ingrata! Inda assim duvidas

Do influxo de teu poder...

Vês, minh'alma? É borboleta

Que tu salvaste, mulher.



Ingrata! E fazes prodígios

E não crês em ti sequer!...

Minha alma é lousa florida

Aos teus afagos, mulher!"
 
Castro Alves
 
(Sarau Poético de 29/06/2012, poema postado por Célia Regina F. Reis)




Ó meu Deus! Manda às horas que fujam,

Que deslizem em fio os instantes...

E o ponteiro que passa os quadrantes

Marque a hora em que a posso fitar!

Como Tântalo à sede morria,

Sem achar o conforto preciso...

Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso!

Tenho sede, Senhor, de um olhar.


Autor: Castro Alves

(Sarau Poético de 29/06/2012, poema postado por Sueli Anjo)

Longe de ti



Quando longe de ti eu vegeto,

Nessas horas de largos instantes,

O ponteiro, que passa os quadrantes,

... Marca séculos, se esquece de andar.

Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.

Fito a terra — é uma várzea sem flores.

O universo é um abismo de dores,

Se a madona não brilha no altar.



Então lembro os momentos passados.

Lembro então tuas frases queridas,

Como o infante que as pedras luzidas

Uma a uma desfia na mão.

Como a virgem que as jóias de noiva

Conta alegre a sorrir de alegria,

Conto os risos que deste-me um dia

E que eu guardo no meu coração.



Lembro ainda o lugar onde estavas...

Teu cabelo, teu rir, teu vestido...

De teu lábio o fulgor incendido...

Destas mãos a beleza ideal...

Lembro ainda em teus olhos, querida,

Este olhar de tão lânguido raios,

Este olhar que me mata em desmaios

Doce, terno, amoroso, fatal!...



Quando a estrela serena da noite

Vem banhar minha fonte saudosa,

Julgo ver nessa luz misteriosa,

Doce amiga, um carinho dos teus!

E ao silêncio da noite que anseia

De volúpia, de anelos, de vida.

Eu confio o teu nome, querida,

Para as brisas levarem-no aos céus.



De ti longe minh’alma vegeta,

Vive só de saudade e lembrança,

Respirando a suave esperança

De viver como escravo a teus pés,

De sonhar teus menores desejos,

De velar em teus sonhos dourados,

"Mais humilde que os servos curvados!

"Inda mais orgulhoso que os reis"!


Autor: Castro Alves
 
(Sarau Poético de 29/06/2012, poema postado por Sueli Anjo)

Adormecida




Uma noite, eu me lembro... Ela dormia

Numa rede encostada molemente...

Quase aberto o roupão... solto o cabelo

E o pé descalço do tapete rente.


... 'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste

Exalavam as silvas da campina...

E ao longe, num pedaço do horizonte,

Via-se a noite plácida e divina.



De um jasmineiro os galhos encurvados,

Indiscretos entravam pela sala,

E de leve oscilando ao tom das auras,

Iam na face trêmulos — beijá-la.



Era um quadro celeste!... A cada afago

Mesmo em sonhos a moça estremecia...

Quando ela serenava... a flor beijava-a...

Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...



Dir-se-ia que naquele doce instante

Brincavam duas cândidas crianças...

A brisa, que agitava as folhas verdes,

Fazia-lhe ondear as negras tranças!



E o ramo ora chegava ora afastava-se...

Mas quando a via despeitada a meio,

P'ra não zangá-la... sacudia alegre

Uma chuva de pétalas no seio...



Eu, fitando esta cena, repetia

Naquela noite lânguida e sentida:

"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!

"Virgem! — tu és a flor da minha vida!...
 
Castro Alves
 
 
(Poema do Sarau Poético de 29/06, postado por Jasse Miranda)